quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

As Calcinhas da Minha Avó

minha avó era uma figura. ela não era que nem gente comum, sabe? tinha um carisma enorme, uma alegria pela vida, pelas pessoas. era super querida por gente de todas as idades, todas as classes sociais. tinha assunto com todo mundo, dava conta da vida da família inteira. era incrível.

ela tinha também alguns costumes que eu, assim como outros netos, fui aprendendo a achar muito bonitinhos ao longo do anos. por exemplo, ela rezava novenas toda quarta feira. não comia carne às quartas, sextas e sábados. rezava na posição de muçulmano virado pra Meca, porque dizia que era bom pra irrigar o cérebro. desde que o marido morreu, quando ela tinha 40 e poucos anos, prometeu nunca mais se casar ou ter outro homem, porque ele foi o amor da vida dela. e de quebra também prometeu nunca mais usar batom. e nunca mais dançar.

ela não comentava isso com ninguém. eu fui descobrindo pela minha mãe e minhas tias durante a infância e adolescência. mas essas privações específicas não seriam tão interessantes não fosse o fato de que ela as cumpria com muita, muita satisfação. isso é que era o realmente incrível. ela tinha certeza e absoluta confiança de que aquilo era o melhor que ela podia dar ao mundo.

Tinha também a cisma dela com "roupas de baixo". ela usava anáguas e combinações. a maioria de seda, com rendas delicadas, bordados. tudo sempre escondidíssimo sob a roupa. ninguém nunca via. só mesmo ela e eventualmente a gente da casa, que via as peças pelo quarto ou penduradinhas no box do banheiro depois de lavadas com sabonete Phebo. Ela achava muito desleixadas as peças mais modernas de algodão ou malha. Só usava lingerie legítima. Pra ela mesma apreciar.

E isso chegava nas outras mulheres da família: enquanto a gente se arrumava, ela sempre queria se certificar de que você estaria com uma "calça em ordem". e chamava a atenção sempre que via uma calcinha simplesinha, dessas de tecidos não-nobres.
- Mas, vó... ninguém vai ver! (na época ninguém via mesmo)
- Não. Não pode sair assim, Vinha! e se você passar mal na rua e alguém for te socorrer? Imagina? E você usando essa 'calça' feia...

Acho que nunca entendi direito o real sentido dessa preocupação. E na verdade fazia um tempão que não lembrava de nada disso.

Até que hoje uma mulher me contou uma história no consultório, que parece roteiro de filme da sessão da tarde. Em 1999 ela sofreu um acidente de carro e se machucou bastante. Foi levada a um hospital e por causa do estrago no joelho e na perna, tiveram que cortar a calça jeans pra tirar um raio X e engessar. Ela saiu do hospital algumas horas depois e, para o caso de ter "alguma complicação com a perna", o médico plantonista deu o telefone dele. E pelo visto deu o coração junto. Hoje era o aniversário de 4 anos da filhinha deles.

"Viiiiinha! Espia um pouco que beleza de família!", é o que minha vó diria, com os olhinhos brilhando.

8 comentários:

  1. ô Vinha,3 coisas:

    1- feliz de ler novamente esse tipo de texto por aqui :)
    2- nem precisa falar que eu tô chateada de não ter conhecido essa Dona Vó, né?
    3- é Prado, né? I loooove Prado <3

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  2. Nessa época aumenta a saudade dela e de todos os nossos queridos que já se foram. Dá tristeza por não ver mais, mas as lembranças são tão boas que a gente curte.

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  3. Fofa sua avó! Minha vó também 'dava conta da vida da família inteira'. Dia desses comentei com o Lavi que ela era o elo da família. Concordo com a Méliss, gostoso ver textos assim, aqui.

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  4. Q maravilha... A minha era um pouquinho mais ousada: fumava e bebía cerveja preta, (que naquela época, eu achava estranho para uma avó) fosse hj, eu adoraria e fumaria e beberia com ela. Viva as vó!

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  5. Aieê, que gostoso de ler Ia...poxa vida quando "aprontávamos" minha vó corria atrás da gente com uma peixeira...hehhee. E é verdade.

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  6. Adorei...me fez lembrar das histórias da minha avó também, que era uma figura! obrigada por alegrar este meu dia de tanta neve!! bisous

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  7. Putz, eu não conheci nenhuma das minhas avós, e sinto mó falta disso. Acho muito legal quando alguém conta história de curtir vó.

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