quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

o par de asas do Zé

meu pai tinha pernas normais. eram meio separadas em curva, que nem as pernas de um alicate. meu pai foi jogador de futebol da segunda divisão quando era mocinho.

quando eu era pequena eu usava as pernas dele como meio de transporte. trançando em volta delas que nem um coala. eram também uma espécie de sofazinho pra mim, quando ele as cruzava e eu me apoiava pra ler minhas revistinhas.

meu pai tinha pernas como qualquer outro pai. só que um dia ele teve que abrir mão delas pra continuar vivendo. ele gostava muito de ficar aqui com a gente, então tomou essa decisão.

por um tempo ele pode ter pernas biônicas. ele teve joelho com trava de pressão, que permitia que ele se levantasse da cadeira sem precisar apoiar na bengala. ele teve pernas de liga leve virtualmente indestrutíveis. nao lembro se eram de titânio ou de adamântio. mas eram biônicas.

por um tempo eu pensei que elas fossem mágicas. de tanto bem que elas fizeram pra ele. a liberdade que ele ganhou com as pernas mágicas era similar ao que aconteceria se um de nós ganhasse um par de asas. imagina só.

depois de um tempo ele não conseguia mais ser o homem biônico. e as pernas mágicas ficaram guardadas. junto com a esperança de que alguma outra mágica pudesse reverter a piora gradual e impiedosa da saúde dele. só que não teve jeito mesmo. depois de um tempo ele foi embora. sem perna nenhuma. sem força biônica e sem poderes mágicos. foi embora e pronto.

as pernas biônicas ficaram por aqui. tudo ficou mesmo tão estranho por aqui. um par a mais, um par a menos de pernas nem se notava. as pernas biônicas ficaram muito tempo aqui. faltava coragem pra encará-las.

hoje eu fui levá-las pra um novo destino. eu coloquei as pernas biônicas no carro e entreguei na mão de alguém que eu não conhecia. um dia elas vão ser entregues pra alguém que precisa de pernas biônicas. quem sabe elas voltam a ser mágicas.

3 comentários:

  1. Que lindo, meu amor! tenho tido tanta saudade dele, de nós todos no tempo das pernas dele.
    Fico orgulhosa quando lembro da dupla que nós fizemos!
    Mami

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  2. eu achei que eu já tivesse comentado esse post...

    é que eu

    morri.

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