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domingo, 24 de abril de 2011

passagem

amanhã vai fazer um ano que meu pai morreu.
passou pra nenhum lugar. pra sempre. pra nunca mais.
a morte é parte da vida. é a parte eterna da vida.

renascer, ressucitar, surgir numa nova vida só serve pra quem tá vivo.

essa é a páscoa.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

o par de asas do Zé

meu pai tinha pernas normais. eram meio separadas em curva, que nem as pernas de um alicate. meu pai foi jogador de futebol da segunda divisão quando era mocinho.

quando eu era pequena eu usava as pernas dele como meio de transporte. trançando em volta delas que nem um coala. eram também uma espécie de sofazinho pra mim, quando ele as cruzava e eu me apoiava pra ler minhas revistinhas.

meu pai tinha pernas como qualquer outro pai. só que um dia ele teve que abrir mão delas pra continuar vivendo. ele gostava muito de ficar aqui com a gente, então tomou essa decisão.

por um tempo ele pode ter pernas biônicas. ele teve joelho com trava de pressão, que permitia que ele se levantasse da cadeira sem precisar apoiar na bengala. ele teve pernas de liga leve virtualmente indestrutíveis. nao lembro se eram de titânio ou de adamântio. mas eram biônicas.

por um tempo eu pensei que elas fossem mágicas. de tanto bem que elas fizeram pra ele. a liberdade que ele ganhou com as pernas mágicas era similar ao que aconteceria se um de nós ganhasse um par de asas. imagina só.

depois de um tempo ele não conseguia mais ser o homem biônico. e as pernas mágicas ficaram guardadas. junto com a esperança de que alguma outra mágica pudesse reverter a piora gradual e impiedosa da saúde dele. só que não teve jeito mesmo. depois de um tempo ele foi embora. sem perna nenhuma. sem força biônica e sem poderes mágicos. foi embora e pronto.

as pernas biônicas ficaram por aqui. tudo ficou mesmo tão estranho por aqui. um par a mais, um par a menos de pernas nem se notava. as pernas biônicas ficaram muito tempo aqui. faltava coragem pra encará-las.

hoje eu fui levá-las pra um novo destino. eu coloquei as pernas biônicas no carro e entreguei na mão de alguém que eu não conhecia. um dia elas vão ser entregues pra alguém que precisa de pernas biônicas. quem sabe elas voltam a ser mágicas.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Café do Serginho

O Serginho é pai da minha amigona, a Legas. Ele é um cara bacana, desse estilo que sempre se matou de trabalhar, construiu uma vida boa e aprendeu a priorizar o que gosta: johny walker, viagem, mulher bonita, jogo de tenis, comida bem feita, bate papo em volta da mesa... e café.

Aí é que está o que eu quero contar. Quando a gente sai pra jantar com ele, a hora do café é uma diversão à parte (menos pros familiares, que já estão traumatizados). O Serginho gosta de café expresso curto. Forte e aromático. Tirado da máquina da forma correta. Com uma cremosidade xis. Servido bem quente, mas não fervendo.

Posto isso, você já imagina o quão difícil é o garçom trazer uma xicrinha vencedora.

Caras constrangidas vão e voltam do balcão do expresso várias vezes. Caras furiosas. Caras de desdém. Caras de choro até. A parte mais legal começa na hora que aquilo vira questão de honra. O garçon não vai desistir enquanto não ouvir um elogio. E o Serginho não vai baixar seu grau de exigência. E a xicrinha vem e vai. Vem e vai.

No momento em que todos estão quase perdendo a esperança pode acontecer uma de duas coisas:

1- o Serginho vai até o balcão e pede licença pra ensinar ao rapaz como se tira um bom café. Ele vai dando as instruções e o pobre vai seguindo: bate aqui, gira ali, espera, vapor, rufar de tambores: Ahhhh agora sim, ele diz. O garçon respira aliviado, o rapaz do café baixa a guarda, sorri orgulhoso de si mesmo e fica melhores amigos com o Serginho.

ou 2- antes do Serginho se levantar chega um café do jeitinho! Oooo Campeão! Agora sim! Isso é que é café. Tá tão bom que eu até vou querer mais um. Igualzinho!

E neste caso, voltamos à fase do ponto de honra ou da desesperança. E assim vamos no que seria um looping recursivo infinito se não fosse interrompido pela mulher ou um dos filhos, que sugerem irmos embora, em compungente tom de súplica.

E lá se vai a comitiva pedir o carro ao manobrista. E o Serginho vai se embalando pra cair na cama, fazendo cafuné na própria cabeça. Satisfeito como ele só!


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Eu gosto do Serginho. Às vezes não tem nada a ver, mas tem horas que ele me lembra o Zé, meu pai. Principalmente no tempo que o Zé resolveu ser fiscal do Funaro. Saudade.